Cada vez mais, produtos digitais fazem parte de nossa vida, incluindo de uma gama infinita de aplicativos e chatbots de texto a assistentes de voz e interfaces instrucionais, como telas de ensino à distância, por exemplo. Para todos eles, a necessidade da inserção de palavras e expressões precisas, que espelhem, por meio de pesquisa, a semântica do público. A busca por um “vocabulário controlado”, que reflita justamente como as pessoas que usam determinado sistema falam e escrevem, faz parte de uma ciência relativamente nova e que vem ganhando adeptos no Brasil: o UX Writing.
Em entrevista à Digital Magazine, Bruno Rodrigues, que em 2019 lançou o livro “Em busca de boas práticas de UX Writing”, primeiro em língua portuguesa a abordar o tema, destaca a importância do mergulho no universo do usuário, apontando algumas características importantes do trabalho no campo do UX Writing. Em 2021, os direitos autorais da obra foram comprados pela editora Ra-ma, de Madri, e publicada na Espanha, com distribuição no México e na América Latina.
Figura conhecida no meio do digital, Bruno também é referência quando o assunto é Webwriting, sendo autor de três obras importantes sobre a temática. Dentre suas contribuições nesse campo, destaque à produção para o Governo Federal do padrão brasileiro de redação online, intitulado “Padrões Brasil e-Gov: Cartilha de Redação Web” (2010).
Então separe um tempo e conheça mais sobre a técnica de UX Writing e suas implicações. Com a palavra, Bruno Rodrigues:
Digital Magazine: Quando se deu o seu primeiro contato com o UX Writing e por que isso despertou sua vontade de pesquisar a fundo o assunto?
Bruno Rodrigues: O UX Writing é um desenvolvimento de Webwriting e ambos estão debaixo do guarda-chuva da gestão de conteúdo e informação para mídia digital. Estudo essa área há pouco mais de 20 anos, tanto que já escrevi três livros sobre Webwriting, que é a redação de textos para sites, portais e um pouco para mídias sociais, e o UX Writing é um desdobramento disso. O UX Writing começou a acontecer, de certa forma no mundo, há uns quatro anos, muito por causa, mas não apenas, dos smartphones.
A necessidade de produtos digitais, como aplicativos; chatbot de texto; assistentes de voz; e interfaces instrucionais, como telas de ensino à distância, precisavam da inserção de palavras e expressões bastantes precisas, que espelhassem a semântica do público, refletindo como essas pessoas realmente falam e escrevem.
Digital Magazine: Em quais situações o UX Writing pode e deve ser empregado? Poderia dar alguns exemplos?
Bruno Rodrigues: O UX Writing não é uma escrita de texto, e sim a escolha de palavras e expressões, no máximo uma frase, que você inclui em componentes como botões, itens de menus, links, títulos… Então, são pequenos elementos textuais. O objetivo do UX Writing é trabalhar para que o usuário se contextualize e seja guiado ao longo da navegação.
“O UX Writing é um desenvolvimento de Webwriting e ambos estão debaixo do guarda-chuva da gestão de conteúdo e informação para mídia digital”
Digital Magazine: Pode-se considerar o UX Writing uma prática inovadora, ou ela seria uma evolução natural de técnicas já aplicadas em outros meios?
Bruno Rodrigues: Sim, o UX Writing é uma prática inovadora, desde que quem trabalha com ela compreenda que existe uma peculiaridade da escrita para produtos digitais. Não se deve partir do princípio que você pode escrever para qualquer nova mídia sem entender suas peculiaridades e características. É um mergulho na semântica. Na verdade, o UX Writing que eu aposto cada vez mais é aquele que vai estar inserido dentro de UX Research, que é pesquisa. Então, mesmo que um profissional tenha 30 anos de experiência, não é o que ele sabe que deve ser escrito. É preciso fazer pesquisa – e tem técnica para isso -, criar um dicionário de vocabulário controlado, com palavras e expressões que são reflexo do público. É o público que vai dizer as palavras que quer, e não o redator.
Digital Magazine: Nesse caso, na hora de traçar um trabalho em UX Writing, é de extrema importância buscar conhecer o seu público, e não ficar baseado em “achismos”?
Bruno Rodrigues: No caso do UX Writing, você tem que olhar mais para o “UX” (experiência) do que para o “Writing”. É você mergulhar no universo do usuário. Se o UX Writing for encarado por alguns apenas como “Writing” puro, aí realmente não veremos evolução nenhuma. Se é o redator quem vai tirar os termos da própria cabeça, proveniente da sua experiência, ou perguntar para o seu amigo, praticando o “friendwriting”, ou o “benchwriting”, que é você dizer “ah, como na Americanas.com e no site da Apple fazem isso…”, isso não é UX Writing. Enfim, não tem como perguntar ao amigo, ou ver como uma empresa está fazendo, mesmo brasileira. É preciso entender que são públicos, países, continentes, culturas, línguas diferentes.
“Sim, o UX Writing é uma prática inovadora, desde que quem trabalha com ela compreenda que existe uma peculiaridade da escrita para produtos digitais”
Digital Magazine: Pelo fato de o UX Writing ser voltado para pequenos elementos textuais, podemos considerar “clareza” e “concisão” como princípios importantes?
Bruno Rodrigues: Eu não considero clareza e concisão princípios do UX Writing. A grande diferença do UX Writing está na utilidade e na orientação. Eu até brinco nos meus cursos dizendo que, já nos primeiros pictogramas, os homens das cavernas já falavam nos conceitos de clareza e concisão. Porque clareza e concisão são partes de uma comunicação bem feita, seja escrita, ou oral. Definitivamente, não são conceitos novos no UX Writing. Claro que são recursos a serem utilizados, mas básicos para qualquer tipo de comunicação. Então, a diferença é a “utilidade” e a “orientação”.
Digital Magazine: No caso da “orientação”, poderia dar um exemplo?
Bruno Rodrigues: Existe um certo tipo de sinalização na estrada que não é muito comum dentro de cidades. São placas específicas para aquele tipo de via. Quando você pega a estrada pela primeira vez, você tem que prestar atenção, até mesmo para saber o que significam aquelas placas. Com o tempo, essa sinalização se torna mais fluida. Comparando, a orientação em componentes de produtos digitais, especialmente de aplicativos, também deve ser fluida. O usuário tem que intuir, por meio de palavras, o que é para ser feito. Por isso que essas palavras têm que ser muito bem escolhidas. Elas não devem vir do nosso conhecimento, e sim de um mergulho na semântica do usuário.
Digital Magazine: Como se dá essa construção do diálogo em chatbots de texto e voz, por exemplo?
Bruno Rodrigues: O UX Writing se aplica a chatbots de texto, ou a assistentes de voz, sendo ambos baseados em roteiros. A elaboração de diálogos é, na verdade, você pegar esse dicionário de vocabulário controlado, que é o espelho da semântica da oralidade do público, e fazer uma costura entre palavras e expressões que colheu junto a esses públicos. A partir daí, cria-se essa “tapeçaria”, que pode ser nada mais do que um diálogo, frase, pergunta, ou afirmação.
Se me perguntar quem tem maior habilidade de trabalhar com chatbot que lida com roteiro, eu lhe respondo: o roteirista. Entretanto, tenho um amigo roteirista de televisão que entrou para essa área e diz ter tomado um verdadeiro “soco no estômago”, pois não se tratava de criar personagens, ou de trabalhar com humor. Na verdade, a sua função passou a ser de espelhar a linguagem e criar diálogos que sejam extremamente objetivos. Por isso que é difícil trabalhar branding, criar personagens, etc. Esses casos não estão tendo muito sucesso no mundo. O que as pessoas querem é praticidade, não querem ficar batendo papo com chatbot.
“Na verdade, o UX Writing que eu aposto cada vez mais é aquele que vai estar inserido dentro de UX Research, que é pesquisa. Então, mesmo que um profissional tenha 30 anos de experiência, não é o que ele sabe que deve ser escrito. É preciso fazer pesquisa”
Digital Magazine: termos provenientes de gírias e regionalismos podem ser utilizados na construção de um diálogo?
Bruno Rodrigues: Gírias e regionalismos, você não usa de jeito nenhum. O não uso da gíria não é simplesmente pelo superficial, ou porque só um grupo entende, mas também pela questão da sua temporalidade. A gíria passa rápido e a gente não tem capacidade de ter um termômetro para saber quando uma certa expressão deixou de ser usada. Se for uma ação pontual, algo de três meses, por exemplo, você pode até usar. Mas se for uma ação de um ano, é perigoso.
Em relação aos regionalismos, é mais ou menos o mesmo raciocínio. Se uma empresa fizer uma ação para Salvador, ela poderia partir da lógica de que todo mundo que é dessa cidade mora lá há muito tempo e conhece todos os regionalismos. Mais uma vez, é a marca querendo criar uma pseudo comunicação, não entendendo a realidade em profundidade, pois uma pessoa pode morar lá há 20 anos e não conhecer todos os termos. Ou seja, são recursos que podem ser perigosos.
Digital Magazine: Existe alguma relação entre Copywriting, Webwriting e UX Writing? Se sim, quais são, na sua opinião, os pontos em comum entre essas técnicas e os que as diferenciam?
Bruno Rodrigues: O ponto em comum é a escrita, e precisamos entender que isso é muito valioso, mas cada um tem a sua peculiaridade. Parece uma resposta banal, mas é importante notar que essas ferramentas de escrita estão no meio digital. Lá no final dos anos 90 e início dos 2000, a pesquisa em Copywriting ficou congelada no mundo inteiro, e agora tem muita coisa nova aparecendo. O Webwriting continua evoluindo com uma velocidade menor, pois muitas boas práticas foram encontradas.
O UX Writing está começando, até porque lida com uma granularidade muito específica. Pensar em boas práticas mundiais, ou até em um mercado todo para o UX Writing, eu duvido. Após um ano e meio de pesquisa para o meu livro, eu duvido um pouco que vai ser tão fácil encontrar boas práticas para o UX Writing, pois é para um público específico, para países e mercados específicos. Então, não tem como você utilizar uma palavra que consiga valer para todo mundo, ou, até mesmo, para um mercado único.
Digital Magazine: Como balancear “persuasão” e “orientação” ao lidar com a construção da experiência do usuário? Neste caso, como copywriter e UX writer, por exemplo, podem trabalhar juntos?
Bruno Rodrigues: O Copywriting pode “estragar” o UX Writing (risos). De novo, cada um dos pontos é muito valioso. O Copywriting é valiosíssimo, pois tem o ponto da persuasão. Mas a persuasão existe para determinados pontos, determinadas peças e componentes do meio digital. No UX Writing, principalmente nesse início, o público está demonstrando que quer uma comunicação muitíssimo direta. Então, o que acontece? Não tem lugar para o humor, não tem lugar para personalidade, e muito disso tem relação com o Copywriting, que é essencial no meio digital. Mas cada um tem, literalmente, o seu lugar, a sua plataforma, os seus componentes.
Então, a escrita como guarda-chuva é uma caixa de ferramentas e tem que saber usar cada ferramenta, em cada lugar. Trabalhar branding, humor, e criatividade com o UX Writing, não é por aí. Muita gente que vem da publicidade, ou que é jornalista, e que diz amar escrever e ser criativo, não vai trabalhar com o UX Writing, pois não é isso que o público quer. Ele quer extrema objetividade no uso de palavras e expressões.
Digital Magazine: Pelo fato de o UX Writing ser relativamente novo no Brasil, como fazer com que a aplicação desse conceito tenha relevância dentro de projetos em comunicação digital? Ou seja, como convencer empresas e contratantes a investirem em UX Writing?
Bruno Rodrigues: É explicar que com a escolha de palavras e expressões, depois de um mergulho sério nos públicos, você acaba criando um dicionário de vocabulário controlado, em que se tem o domínio das expressões e termos. Isso vai impactar na comunicação entre a marca e o público externo, ou entre a empresa o público interno. Essa comunicação sendo mais cristalina vai agilizar a tomada de decisões, economizando tempo e dinheiro.
Vale dizer também o que não dá para se vitimizar, o que é um histórico da área de escrita. “Ah, meu Deus, ninguém dá importância ao texto…”. O que devemos fazer, ainda mais neste momento de UX Writing, é sentar com o desenvolvedor, com o designer, e dizer: “olha só, você sabe o que é o UXWrting?” Sabe como se faz, os benefícios?”. Já fiz isso diversas vezes e a aceitação é sensacional. Isso abre o seu caminho para os seus parceiros de trabalho e seus chefes.
“Muita gente que vem da publicidade, ou que é jornalista, e que diz amar escrever e ser criativo, não vai trabalhar com o UX Writing, pois não é isso que o público quer. Ele quer extrema objetividade no uso de palavras e expressões”
Digital Magazine: Como o mercado brasileiro de comunicação vem absorvendo o UX Writing? Há espaço para amadurecimento da técnica?
Bruno Rodrigues: O mercado brasileiro está só começando. Em 2019 e 2020, muitas vagas abriram no Brasil inteiro procurando UX Writer, ou então redator que trabalhasse com Copywriting e UX Writing, claro que em momentos e locais diferentes, como eu expliquei. Há vagas conjuntas para Webwriting, UX Wrtiting, e Copywriting, ou únicas para UX Writing, especificamente. Ainda tem muito a evoluir. Longe de ser um mercado maduro. É um mercado na sua “segunda infância”, sendo assim, vamos entender que tem muita coisa para acontecer, como todo mercado de trabalho, que não para.
Digital Magazine: Existe relação entre usabilidade e UX Writing? Se sim, em quais pontos ambos se cruzam?
Bruno Rodrigues: A relação é toda. E o user experience (UX) é uma consequência da usabilidade. A usabilidade é uma parte de UX. Simplesmente, o UX Writing não existiria se não existisse a usabilidade e a aplicação de testes e técnicas de conversa com os usuários. Por isso que eu falo: quer trabalhar com UX Writing? Olhe para o UX e menos para a escrita. A escrita vai ser um reflexo de um trabalho mais profundo, demorado e sério que é a conversa com o usuário.